FUTEBOL FORMAÇÃO - O DESAFIO PARA OS AGENTES DESPORTIVOS AMADORES
- Vitor Escudeiro
- 10 de mai. de 2022
- 4 min de leitura

O futebol é o desporto mais praticado em Portugal. Desde pequenos, um grande número de crianças e jovens sonham em ser jogadores profissionais, isto porque no nosso país, o futebol tem uma grande popularidade e visibilidade tanto ao nível da comunicação social como também das redes sociais, movimentando assim muito dinheiro e multidões.
A par deste fenómeno, vivemos numa sociedade em que a “competição” é cada vez mais feroz, o que leva a que as cargas horárias de trabalho sejam cada vez maiores, fazendo com que haja cada vez menos controlo das crianças e jovens por parte dos respetivos encarregados de educação.
Nesse sentido, os clubes de futebol são por excelência muito procurados pelos encarregados de educação que procuram por um lado, uma estrutura organizada para que os seus educandos possam usufruir de uma atividade desportiva supervisionada e direcionada, que os oriente a adotar estilos de vida mais saudáveis, afastando-os assim dos aspetos negativos da nossa sociedade como a droga, o álcool…, mas sobretudo (e infelizmente são cada vez mais os casos), têm esperança deste se tornar futebolista profissional ignorando totalmente que a probabilidade deste sonho tornar-se realidade é muito reduzida e que para alcançar tal objetivo é preciso muitos anos de trabalho, evolução, sacrifício...
Para o leitor ter uma ideia, num estudo realizado em Inglaterra concluiu-se que apenas 0,5% das crianças que começam a jogar futebol aos 9 anos, conseguirão alcançar o profissionalismo no futebol. Mais chocante é que apenas 180 crianças e jovens que jogam nos escalões de Formação (de um universo de 1.500.000) conseguirão chegar à Premier League, isto equivale a apenas 0,012%. Em Espanha um estudo idêntico demonstrou que nos últimos 10 anos, apenas 1 criança em cada 1800 é que atingiu a principal Liga Espanhola (0,055%). O estudo refere ainda que nos últimos 20 anos o número de crianças praticantes de futebol duplicou, o que significa que a probabilidade de uma criança atingir a 1ª Liga irá diminuir ainda mais (estima-se de 1 para cada 2600, ou seja 0,038%). Embora não tenha conhecimento de nenhum estudo semelhante realizado em Portugal, os dados estatísticos apresentados, nestes dois estudos, não devem divergir muito da realidade do nosso país.
Sendo muito reduzida a probabilidade de um jovem conseguir chegar à profissionalização, juntando ainda o facto de os clubes de maior dimensão (graças à organização das suas estruturas de Futebol de Formação, com gabinetes de Prospeção altamente profissionalizados), conseguirem captar para si as crianças e jovens com mais potencial, os clubes amadores deveriam repensar a sua forma de ver o futebol de formação.
Embora em 2015 a Federação Portuguesa de Futebol tenha iniciado o Processo de Certificação para os Clubes obterem a Certificação de Entidade Formadora (o que veio contribuir para a melhoria da qualidade de formação dos jogadores) ainda existem clubes amadores que não possuem departamentos de futebol de formação organizados com linhas orientadoras, etapas de desenvolvimento e objetivos definidos e direcionados para o desenvolvimento dos seus jovens jogadores. Não existindo diretrizes orientadas para a formação e desenvolvimento dos jovens jogadores, e sobretudo enquanto esses clubes não valorizarem os Treinadores de Formação da mesma maneira que valorizam os Treinadores das equipas Seniores, consciente ou inconscientemente, os Treinadores da Formação acabam por trabalhar de forma isolada (em relação às restantes equipas/escalões do clube), acabando por focar-se essencialmente no desenvolvimento de um Modelo de Jogo para a sua equipa (deixando de ensinar o jogo para treinar uma forma de jogar), onde o principal objetivo estabelecido recai (quase sempre) sobre o resultado desportivo, na esperança de conseguir valorizar-se e auto promover-se através da obtenção de resultados.
O querer ganhar não é mau, até porque "em desporto não tentar ganhar é ser um competidor desonesto" (Maetens, 1999; citado por Pacheco, 2001). No entanto, o ensino do jogo e a formação das crianças e jovens não podem ser jamais relegadas, em questão de prioridade aos resultados desportivos e muito menos à promoção do treinador.
É curioso que um estudo realizado em 2019, nos Estados Unidos concluiu que os motivos que levam os miúdos a praticar futebol prendem-se com questões como “dar o seu melhor”, “trabalhar intensamente”, “manterem-se ativos”, “jogar em equipa”… O “ganhar” apenas surge na 40º posição de importância na prática da modalidade. Igualmente os atletas mais novos que participaram neste estudo referiam que seria importante ter um treinador que lhes permitisse jogar em posições diferentes como também que permitissem copiar os movimentos e truques dos seus ídolos.
Assim, a par do ensino do jogo e da formação das crianças e jovens através do Futebol nas suas valências específicas da modalidade tais como a técnica, a tática, os princípios…, deve também existir a preocupação na formação pessoal e social para que no futuro sejam bons cidadãos ou até, quem sabe, atletas profissionais. Assim, é importantíssimo que os jovens ao longo da sua formação consigam aprender o jogo e ao mesmo tempo adquirir competências pessoais e sociais, que são pontos comuns entre atletas profissionais e o cidadão comum nomeadamente: ser responsável, ser participativo, ser criativo, ser autónomo, ter a capacidade de cooperar, ter consciência social, possuir uma elevada auto estima e ser bem-sucedido.
O grande desafio que se deparam todos os agentes desportivos amadores que trabalham no futebol de formação, é o de estabelecer nos seus clubes como principal prioridade o desenvolvimento das crianças e jovens que têm à sua responsabilidade, em todas as suas valências, pois esta sim é a verdadeira base da FORMAÇÃO, ou seja,
FORMAR CRIANÇAS E JOVENS NOS “HOMENS DE AMANHÔ ATRAVÉS DO FUTEBOL E NÃO FORMATÁ-LAS PARA JOGADORES DE FUTEBOL.
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